Primeiro filme do cineasta Ari Aster, cheio de simbolismos e mensagens escondidas. Um drama familiar carregado de sofrimento e manipulações diante da impotência de seus personagens, um luto que parece interminável e as influências de um culto satânico sinistro, “Hereditário” é tudo isso e mais um pouco.
O trailer de “Hereditário” foi exibido acidentalmente no início do filme familiar “Pedro Coelho”, em Innaloo, Austrália. Causando um pequeno pânico no cinema com os pais fugindo da sala com os filhos. O cinema acabou desligando a tela e ofereceu a todos os membros da plateia um ingresso de cortesia como pedido de desculpas pelo erro.
O demônio apresentado em “Hereditário” é Paimon, na demonologia ele é retratado como um homem forte com um rosto feminino, usando uma gloriosa coroa e montado em um dromedário, ele é um dos reis do inferno, muito obediente a Lúcifer. O som que Charlie faz com a boca representa o barulho do galope do dromedário de Paimon.
Nas páginas do livro que Annie encontra, é mencionado que o anfitrião masculino do demônio deve estar desgastado o suficiente para Paimon entrar em seu corpo. Os eventos do filme criam essas condições.
Toni Collette havia dito ao seu agente que não queria fazer mais filmes pesados e sombrios, no entanto, ela amou tanto o roteiro de “Hereditário” que não conseguiu recusar. Collette disse à revista Time: “estou cansada de trabalhos pesados, que me fazem chorar o tempo todo. Quero fazer filmes engraçados. Mas meu agente ligou e disse ‘eu sei, mas você precisa ler este roteiro’. E ele estava certo. Eu amei.”
Podemos ver palavras escritas no papel de parede dos quartos dos membros da família. Simplificando, eles são encantamentos mágicos, provavelmente colocados ali pela avó na tentativa de abrir o caminho para Paimon retornar. ‘Satony’ é uma palavra usada em um Ritual de Necromancia (comunicação com os mortos), ‘Zasas’ é uma palavra usada pelo ocultista Aleister Crowley ao convocar um demônio chamado Choronzon e ‘Liftoach Pandemonium’ é uma combinação da palavra hebraica que significa ‘abrir’ e a palavra pandemium, que no contexto da obra Paraíso Perdido, de Milton, se refere a um lugar onde Lúcifer e os caídos existem.
Ari Aster disse certa vez que queria gerar sustos que fossem emocionalmente justificados, em vez de se apoiar apenas nos tradicionais jump scares.
Segundo Alex Wolff, o corte original do filme teve mais de 3 horas. As imagens cortadas consistem principalmente em mais diálogo familiar.
(por volta de 1h 6 min) Para fazer a lousa escrever sozinha, a equipe de efeitos especiais colocou um ímã no giz e um ímã no outro lado da lousa para fazer o giz se mover – “foi muito difícil conseguir colocar um pequeno ímã dentro do giz e faze-lo escrever sem problemas”.
Toni Collette afirmou que Ari Aster foi o diretor mais preparado com o qual já trabalhou.
Ari Aster pediu que Alex Wolff e Milly Shapiro saíssem para comer sem que saíssem de seus personagens algumas vezes, e eles ficaram sentados por umas três horas em silêncio enquanto Milly não falava e Alex tentava fazê-la falar. Eles também tiveram que ir comprar um moletom para Milly, e Alex teve que descobrir que tipo de moletom ela queria.
Alex Wolff disse que Gabriel Byrne é uma das pessoas favoritas com quem ele já trabalhou. Gabriel Byrne interpretou o pai de Alex Wolff anteriormente no programa da HBO “Em Terapia (2008)” – eles brincaram que a cada sete anos vão interpretar pai e filho.
O produtor disse que foi bom Gabriel Byrne e Alex Wolff já terem trabalhado juntos antes, e Alex e Milly Shapiro se conheciam da época da escola na qual estudaram juntos, isso fez de Toni Collette a pessoa de fora, o que refletia o caráter de Annie e os sentimentos de alienação dentro de sua própria família.
Ari Aster escreveu biografias detalhadas para todos os personagens antes mesmo de escrever o roteiro.
O filme foi rodado em 32 dias.
O compositor Colin Stetson encontrou inspiração para a trilha sonora através de sons de “água e animais enquanto caminhava em uma noite sombria”.
Ari Aster gostou de Utah para filmar porque achava as montanhas lindas e de tirar o fôlego, mas também ameaçadoras e sinistras.
Todo o interior da casa foi construído em um sound stage (palco sonoro) em Utah, a fim de seguir o cronograma de gravação de Ari Aster. Eles precisavam ser capazes de remover paredes e tetos, para filmar os cômodos e faze-los se parecer exatamente com as miniaturas.
Ari Aster queria que qualquer efeito fosse prático (efeito especial que não utiliza computação gráfica), e não na pós-produção.
A designer de produção Grace Yun pesquisou rituais e cultos pagãos reais para desenvolver o design dos cenários. Além de ter que trabalhar simultaneamente com o miniaturista Steve Newburn, garantindo que a casa da família Graham e as miniaturas fossem exatamente iguais.
Charlie é uma personagem transgênero e se mostra desconfortável com seu corpo durante o filme, a menina é a reincarnação de Paimon desde o início, o culto satânico da avó arquiteta todo o desenrolar da história para que Paimon seja libertado do corpo de Charlie e enfim possuir Peter. No livro que Annie encontra ela vê sublinhado o trecho que diz: “Rei Paimon é masculino, assim cobiçoso de um corpo humano masculino.”
(cerca de 14 minutos) Na primeira cena de Peter na escola, as palavras “Escaping Fate” estão na lousa atras do professor. Esta é uma referência a “Halloween: A Noite do Terror” (1978), onde a personagem principal discute o mesmo em sala de aula.
Toni Collette afirmou que foi muito à academia durante as filmagens porque precisava se movimentar bastante durante um processo tão árduo de filmagem.
A designer de produção queria brincar com a ideia de “geometria sagrada” – triângulo (Annie, Peter, Charlie), quadrado (introduz o personagem de Steve, lar, fundamento), círculo (infinito, gênese, Ellen) – todas as formas diferentes embutidas no design do conjunto. Se você olhar de perto, o corredor do segundo andar tem quadrados e triângulos talhados.
O filme se utiliza das miniaturas para representar as influências e manipulações sofridas pelos personagens, como bonecos sem livre arbítrio, fadados ao destino arquitetado pelo culto satânico e Paimon.
Alex Wolff disse que este filme foi mais exigente do que qualquer coisa que ele já fez.
O filme contém cerca de 85 minutos de música, e Colin Stetson trabalhou 16 horas por dia para completá-lo.
Toni Collette disse que um de seus momentos mais memoráveis no set foi ao ficar ensopada em água totalmente vestida para a cena do solvente de tinta.
Ari Aster procurou o compositor Colin Stetson dois anos antes de começar a produção do filme. A principal direção que Aster deu ao compositor para a trilha sonora era fazer com que “se sentisse mal”. Stetson viu a trilha como seu próprio personagem no filme.
Ari Aster também projetou uma lista de filmagens de 75 páginas para a cinematografia antes mesmo que eles tivessem locações.
Este foi o quarto filme da A24 a obter um amplo lançamento após A Bruxa (2015), Free Fire: O Tiroteio (2016) e Ao Cair da Noite (2017).
Ari Aster começou a construir uma rede de colaboradores em potencial para este filme anos antes do projeto receber sinal verde para ser realizado.
Essa foi a estreia no cinema de Milly Shapiro. No teatro ela interpretou Matilda no musical homônimo da Broadway quando tinha 10 anos de idade.
O diretor de fotografia Pawel Pogorzelski foi colega de classe de Ari Aster no American Film Institute Conservatory.
Alex Wolff decidiu seguir um método para este filme e insistiu em ser chamado de ‘Peter’ durante a produção. Depois de filmar sua última cena, ele se apresentou simbolicamente à equipe como ‘Alex’.
(em torno de 20 minutos) Na cena da terapia de grupo, Annie alega que sua mãe sofria de Transtorno de Identidade Desassociativo, a mesma doença mental da personagem de Toni Collette na série do Showtime “United States of Tara” (2009), apresentando Toni como uma mulher com transtorno dissociativo de identidade tentando criar seus filhos, manter seu casamento e descobrir por que ela pode estar sofrendo desse transtorno.
(por volta de 1h 23min) a voz no telefone ligando para Annie para tratar sobre sua data de exibição na Galeria Archer, é do próprio Ari Aster.
Durante a reunião de apoio, Annie relata o suicídio de seu irmão aos 16 anos e afirma que sua carta de suicídio culpava a mãe (Ellen) por “colocar pessoas dentro dele”. Embora Annie considere isso como um sinal de esquizofrenia, Ellen originalmente tentava conjurar Paimon através de seu próprio filho. Sua morte (e seu fracasso em convocar Paimon) explica por que Ellen pressionou Annie a ter filhos, e por que Charlie afirma no início do filme que sua avó desejava que ela fosse menino.
(por volta das 1h 35min) Em uma entrevista, Alex Wolff explica que ele queria realmente quebrar o nariz para a cena em que seu personagem bate a cabeça em uma mesa. O diretor Ari Aster recusou respeitosamente a oferta e disse a Wolff que eles dariam a ele uma mesa macia e almofadada para a cena. Quando chegou a hora da cena ser filmada, Wolff bateu a cabeça tão forte na mesa que apesar da espuma tinha o fundo duro. Ele acabou deslocando a mandíbula (que é uma lesão anterior que o ator teve) na cena.
(por volta de 28 minutos) Quando Peter e Charlie estão a caminho da festa, o simbolo do culto pode ser visto gravado no poste que mais tarde decapita Charlie.
A campanha publicitária da “Hereditário” foi creditada por manter a morte de Charlie em segredo dos espectadores, principalmente por mostrar Milly Shapiro com destaque no trailer, apesar de Charlie estar vivo por apenas um quarto do filme. Esse engano deliberado é semelhante ao clássico de terror Psicose (1960), onde Janet Leigh foi feita para se parecer com a estrela do filme, apenas para ser assassinada em um terço do caminho.
A língua falada durante a “invocação” que é dada a Annie é uma combinação de hebraico e enochiano.
Uma das maneiras pelas quais Ari Aster apresentou o filme quando o lançou foi “é uma história sobre um ritual de possessão de uma vida inteira contada da perspectiva do cordeiro sacrificado”.
O diorama de Charlie no filme mostra figuras sem cabeça curvando-se para uma criatura com cabeça de pombo com uma coroa – muito semelhante à cena final do filme.
(em torno de 14 minutos) Em uma cena inicial, o assunto do livre-arbítrio é discutido enquanto menciona uma das peças de Sófocles. Na mesma linha, o filme afirma que a Família Graham não tem voz sobre os eventos que estão ocorrendo. Para Aster, o filme é muito grego nesse sentido e a maneira como as coisas acontecem é inevitável. É aí que entraram as casas de bonecas. Annie cria essas figuras e casas de bonecas em miniatura e elas servem como uma metáfora perfeita para a situação; eles estão em uma casa de bonecas sendo manipulados por forças externas.
(por volta das 1h 35min) Em uma das cenas da sala de aula de Peter, o professor está falando sobre o sacrifício de Ifigênia, a filha de Agamenon. Ifigênia e Charlie são filhas que foram sacrificadas na esperança de produzir um grande evento; uma sendo a vitória contra os troianos e a outra a criação de Paimon.
Um dos amigos de Peter, por baixo das arquibancadas, pode ser visto no final do filme como um dos cultistas secretos da cidade. Quando eles estão fumando na escola, ele é o personagem com um coque. Quando a câmera segue lentamente os pés de Peter na casa da árvore, ela passa por cima das cabeças dos cultistas ajoelhados. O mais próximo na cena é o rapaz do coque.
(aproximadamente 4 minutos) Durante seu discurso no funeral, Annie menciona que há muitos estranhos na cerimônia. Mais tarde, é revelado que sua mãe era a rainha do culto. Os estranhos no funeral eram membros do culto, alguns dos quais podem ser vistos dentro e ao redor da casa durante o ato final do filme.
(cerca de 30 minutos) Durante a cena da festa, quando Peter entra no quarto para fumar maconha, alguns adolescentes assistem a um vídeo em preto e branco em um laptop de alguém sendo decapitado numa guilhotina – prenunciando as múltiplas decapitações do filme.
A primeira cena de decapitação é muito semelhante a um evento da vida real em Marietta, Geórgia, em 2004. Um jovem e seu amigo voltavam para casa muito bêbados depois de uma festa. O passageiro se sentiu mal e colocou a cabeça para fora da janela, caso precisasse vomitar, foi quando o motorista acidentalmente desviou perto de um poste e decapitou o passageiro. O motorista estava tão bêbado que não percebeu que seu amigo havia sido decapitado e continuou a dirigir para casa, estacionou na garagem de seus pais com o amigo decapitado no carro e entrou para dormir durante toda a noite.
A canção sinistra no final do filme é uma versão especial de uma música chamada “Zadok the Priest”, escrita por George Frideric Handel em 1727 para a coroação do rei George II.
O símbolo que é mostrado ao longo do filme, particularmente no colar que Annie e sua mãe usam, é o verdadeiro selo do demônio Paimon, como mostrado em textos antigos de demonologia, com poucas modificações.
Há muitos efeitos sonoros e músicas altas na trilha sonora. Isso é realmente representado pelo demônio Paimon, que é descrito em sua chegada com música alta e pratos batendo.
Há muitas pistas, quanto a Peter ser o anfitrião desejado para Paimon. Foi Peter quem acidentalmente matou Charlie. Annie expressa medo e raiva constantes em relação a Peter (até o ponto em que pergunta a Annie por que ela tem medo dele) e, finalmente, porque Joan grita com Peter do outro lado da rua da escola, dizendo “eu o expulso” e “saia”, obviamente tentando se apoderar de seu corpo, para que Paimon o ocupe.
“Hereditário” compartilha várias semelhanças com outro filme da A24, A Bruxa (2015), apesar de ter cineastas diferentes. Ambos os filmes retratam famílias em dificuldades que sofrem de extrema dor e são alvos de cultos satânicos, ambos foram filmados perto de bosques e terminam com o filho mais velho da família sendo o suposto único sobrevivente e encontrando os cultos que os prejudicaram.
A corda de piano usada na decapitação auto-infligida por Annie é prenunciada momentos antes pelo piano sendo jogado na sala de estar enquanto Peter examina a cena de seu pai morto.
Na foto de abertura, uma runa de vida pode ser vista construída na lateral da casa da árvore. A runa da vida simboliza nascimento e começo. O aparecimento da runa da vida significa o início da história e prenuncia a casa da árvore como o local do renascimento de Paimon. Em cerca de 1 hora e 54 minutos, uma runa da morte pode ser vista no canto da parede do sótão. A runa da morte simboliza a morte e os finais. O aparecimento da runa da morte simboliza o fim da história e prenuncia a morte de Peter momentos depois.
O diretor não queria símbolos clichês em “Hereditário”. Isso gerou uma pesquisa profunda sobre o ocultismo, disse o diretor Ari Aster. “Eu queria evitar certos clichês e os símbolos óbvios”, disse ele ao Newsweek. “A primeira coisa que eu disse à equipe de design de produção quando começamos a procurar o que seria a simbologia foi: sem pentagramas, sem cruzes invertidas”.
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